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Promoção de Alternativas à Produção de Tabaco Precisa Aliar Assistência Técnica e Políticas Públicas para a Comercialização de Alimentos, Aponta Pesquisador

Por Raquel Gurgel | 24 de julho de 2024

O governo brasileiro criou o Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco (PNDACT) em 2006, pouco após o Brasil ratificar a Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT/OMS). O país é o maior exportador e o segundo maior produtor mundial de folhas de tabaco, e quase a totalidade da produção é realizada pela agricultura familiar. A promoção de alternativas economicamente viáveis para os produtores – foco do Artigo 17 do Tratado – é essencial não apenas para a proteção do ambiente e da saúde desses trabalhadores, mas também para sua proteção social, uma vez que a demanda por tabaco tem diminuído nos últimos anos.

Com ênfase na oferta de serviços de assistência técnica e extensão rural para famílias interessadas na diversificação, o Programa funcionou com algumas interrupções até 2018, quando foi desarticulado e deixou de receber recursos financeiros. Em fevereiro deste ano, durante a COP10, no Panamá, o governo brasileiro se comprometeu a reformular e reestruturar o Programa, em conformidade com o Artigo 17 da CQCT/OMS.

Capa do relatório

Nesse contexto, o Centro de Estudos sobre Tabaco e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (CETAB/Fiocruz) acaba de lançar o documento Uma visão sobre o Programa Nacional de Diversificação Produtiva em Áreas Cultivadas com Tabaco no Brasil (leia aqui a versão em português e aqui a versão em inglês).

O documento apresenta dados sobre a evolução da produção de tabaco no Brasil nas últimas décadas, resgata a história do Programa, destaca exemplos bem-sucedidos de diversificação produtiva no Sul do Brasil e identifica obstáculos que impediram a implementação plena do Programa, os quais precisam ser superados para que a reformulação seja bem-sucedida.

Nesta entrevista, conversamos com o autor do relatório, o engenheiro agrônomo Germano Pollnow, pesquisador do CETAB, que expõe algumas das conclusões do documento e analisa o cenário atual.

Confira:

 

No início do ano, durante a COP10, um representante do governo federal brasileiro anunciou a retomada do PNDACT, que não recebe recursos desde 2018. Como tem sido a movimentação de organizações da sociedade civil nesse sentido?

As movimentações para a retomada de uma política de alternativas ao tabaco no Brasil já acontecem desde 2018, quando foi aberta, por meio do PNDACT, a última chamada pública para contratação de entidades de prestadores de serviços de assistência técnica e extensão rural (ATER). Desde então, não houve outros chamamentos públicos, outras contratações. 

As entidades contratadas em 2018 executaram serviços no máximo até 2022, algumas até 2023 por conta dos impactos da pandemia de COVID-19. Mas a maior parte delas terminou as atividades em 2020 e 2021. Então, temos três anos sem a presença de técnicos e extensionistas rurais promovendo e trabalhando junto com os agricultores para se ter alternativas ao cultivo do tabaco.

De lá para cá, as organizações que prestam serviços de assistência técnica e extensão rural –  cooperativas, associações, organizações da sociedade civil, enfim – têm esse se reunido na Rede Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco para tentar pressionar de alguma forma o governo e mostrar a importância de se ter uma política continuada de prestação de serviços de ATER, e que que isso se reflita em uma Política de alternativas ao tabaco. 

Parece que isso tem surtido efeito, porque o governo federal tem feito sinalizações nesse sentido. Além da manifestação durante a COP10, o governo tem sinalizado para a  A Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco e de seus Protocolos (Conicq) que pretende colocar em prática, em 2025, uma nova política de alternativas ao cultivo do tabaco.

 

O foco do PNDACT foi a oferta de serviços de ATER específicos para a diversificação produtiva. Para isso, foram destinados recursos para instituições prestadoras desses serviços por meio de chamadas públicas para projetos. Na sua avaliação, essa focalização foi uma escolha acertada?

Sim, foi uma medida acertada porque é preciso que haja instituições, entidades e organizações que possam estar junto aos agricultores pensando e promovendo alternativas de uma forma que isso esteja integrado com outras políticas.

É aí que está um dos obstáculos para que se tenha maior efetividade na promoção de alternativas ao tabaco: a interconexão de diferentes políticas públicas que possam promover rendas alternativas aos agricultores, favorecendo a transição do tabaco para outras culturas e quem sabe, a substituição do tabaco por nossas culturas mais rentáveis e que promovam também uma melhoria na qualidade de vida dessas famílias produtoras.

Então, acredito que o foco em assistência técnica e extensão rural é o mais acertado possível, mas faltou uma articulação maior com outras políticas públicas.

 

Você pode falar um pouco mais sobre os gargalos do PNDACT? Como eles devem ser endereçados na retomada do programa?

O primeiro que eu identifico é a falta de continuidade da prestação de serviços voltados para a diversificação ou para a promoção de alternativas.

Se pensarmos no histórico do Programa, tivemos uma primeira chamada pública que teve serviços prestados em 2012 e 2013, depois uma segunda chamada em que os serviços foram prestados entre o fim de 2014 e 2016, e depois só houve duas novas chamadas públicas no meio de 2018. E essa falta de continuidade acaba impactando a prestação dos serviços em si. Enquanto isso, a indústria fumageira segue desde sempre junto com os agricultores.

Além disso, há a falta de articulação com outras políticas públicas, que mencionei antes. Tínhamos um programa de diversificação, ao mesmo tempo em que o Brasil possui um Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e um Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que são aliados da agricultura familiar para a comercialização de seus produtos [pela legislação brasileira, no mínimo 30% do valor destinado à alimentação escolar deve ser investido na compra direta de produtos da agricultura familiar, mas esse percentual não tem sido cumprido, na média nacional. Já o PAA é um programa por meio do qual o governo federal compra alimentos produzidos pela agricultura familiar e os destina gratuitamente a pessoas que não têm acesso à alimentação adequada]. No entanto, esses programas nunca estiveram diretamente articulados, e isso é uma possibilidade que se abre a partir do momento em que se está pensando a rearticulação de um plano de alternativas ao tabaco.

Ou seja, além da falta de continuidade da prestação de serviços de assistência técnica, um gargalo importante é essa falta de conexão entre diferentes políticas públicas que possam promover ao mesmo tempo a assistência técnica para a diversificação e também a comercialização da produção de alimentos. Porque não adianta os agricultores diversificarem a produção ou substituírem o tabaco, se não tiverem como escoar essa nova produção de uma maneira mais fluida e que permita uma geração de renda com qualidade de vida.

 

E quais foram os principais resultados positivos do programa?

O primeiro deles, e talvez também o primeiro passo para diversificação e posterior substituição de cultivos, é a questão da segurança e soberania alimentar das famílias agricultoras.

Nós tínhamos situações – e isso está voltando a acontecer, devido à descontinuidade de serviços de assistência técnica para alternativas ao tabaco – em que as famílias agricultoras deixam de produzir alimento para o seu consumo. Quando se fala em agricultura familiar, se pensa em uma diversidade de produção, mas no caso dos produtores de tabaco essa diversidade acabou sendo deixada de lado pelo trabalho demandado pelo cultivo do tabaco e também pelo retorno econômico que esse cultivo tem dado, então nós temos casos de famílias que já não produzem mais seu alimento.

No momento em que existe a promoção de alternativas e a prestação de serviços de assistência técnica para a diversificação, muitas famílias voltaram a produzir seu próprio alimento. Com o passar do tempo, elas começam também a comercializar esse alimento produzido. Há ainda casos mais avançados de famílias que conseguiram acessar políticas públicas para a comercialização, ou acessar diferentes formas de comercialização, e deixaram de produzir tabaco, passando a produzir exclusivamente alimentos. 

Esse é o caminho que já foi pavimentado, mas, por uma dificuldade de continuidade, se deixou de avançar. 

 

Existe hoje um mapeamento de quantas famílias produtoras de fato conseguiram manter a diversificação de cultivos ou eliminaram o cultivo do tabaco após serem beneficiadas pelo PNDACT? Caso negativo, como essa ausência da avaliação dos resultados do Programa impacta sua retomada?

Um dos grandes empecilhos em relação a isso foi a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que era responsável pelo programa de diversificação e foi extinto em 2016.

Com isso, não tivemos um órgão com um status de ministério que pudesse mapear, identificar e  monitorar os resultados do programa a partir desse momento. As últimas chamadas públicas, lançadas em 2018, foram executadas, administradas e geridas pela Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), com  um foco bastante diferente do que havia antes: a Anater simplificou os relatórios que havia para diagnóstico e acompanhamento das unidades produtivas, impossibilitando um monitoramento mais aprofundado do programa. 

O problema da falta de mapeamento é a dificuldade de se avaliar os impactos da promoção de alternativas. E quando se fala nesses impactos, eles vão além da questão de reduzir ou eliminar a produção de tabaco e começar a gerar outros produtos: há também a questão da  qualidade de vida, a questão da segurança e soberania alimentar e nutricional, há uma questão ambiental, vinculada aos impactos ambientais da produção de tabaco. 

Ou seja, o não-mapeamento das famílias e das diferentes dimensões da diversificação acaba gerando uma dificuldade para identificar os avanços alcançados ao longo dos anos.

 

No seu relatório, você observa que nos últimos anos tem havido uma redução do consumo mundial de produtos de tabaco, além do aumento do uso de Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEF) – alguns dos quais podem ser produzidos com nicotina sintética, sem a necessidade de folhas de tabaco. Esse contexto aumenta a necessidade de políticas públicas que promovam alternativas para os agricultores que produzem tabaco?

Existe uma tendência mundial de queda na demanda por tabaco, seja pela diminuição de  fumantes, ou seja pela utilização desses novos  dispositivos para fumar. Essa tendência já vem se confirmando há alguns anos, e a tendência para os próximos anos é de continuidade na diminuição da demanda por tabaco.

Na prática, já existe no Brasil uma diminuição no número de famílias produtoras de tabaco. E isso não se dá exclusivamente pela questão da promoção alternativas que foram trabalhadas nos últimos anos, mas também por uma seleção que a indústria tem feito em relação às famílias produtoras. Existe um movimento da indústria fumageira de buscar países que têm um custo de produção menor, especialmente países do continente africano. Além disso, a indústria tem dado preferência por contratar famílias que produzem uma quantidade maior e também uma qualidade melhor em detrimento de famílias que produzem pouco ou com uma qualidade não tão boa.

Essas famílias que produzem pouco ou uma qualidade menor, em geral mais descapitalizadas, têm sido excluídas da cadeia produtiva do tabaco. E aqui fica uma grande preocupação:  mesmo se a intenção não fosse promover a redução do cultivo de tabaco, seria preciso que se pensasse em uma política pública de inclusão socioprodutiva das famílias que estão sendo excluídas da cadeia produtiva do tabaco pela própria indústria.

Muitas famílias, quando  excluídas desse processo, não sabem o que fazer, não sabem com o que trabalhar porque, como eu comentei anteriormente, muitas delas deixaram de produzir o próprio alimento.

Então é preciso se pensar também na questão de alternativas ao cultivo de tabaco não apenas por uma questão de saúde pública e por uma questão ambiental, mas também para apoiar  essas famílias que estão sendo excluídas da cadeia produtiva do tabaco pela própria indústria. Essas famílias precisam  passar por um processo de inclusão socioprodutiva garantindo fonte de renda, bem-estar e qualidade de vida. 

A modo de conclusão, podemos avaliar que existem gargalos, necessidades e avanços; que é necessária uma continuidade na prestação dos serviços de assistência técnica e extensão rural; e que, além disso, é necessário que um programa, política ou plano de alternativas ao tabaco interconecte políticas políticas públicas para avançar na busca por alternativas mais sustentáveis, menos causadoras de danos ambientais e mais saudáveis.

É nesse sentido que se precisa avançar para quebrar o paradigma de que o tabaco é uma das poucas culturas economicamente viáveis para a agricultura familiar no Sul do Brasil, que é a grande região produtora de tabaco no país.

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As informações e opiniões apresentadas nesta notícia são de responsabilidade do(s) autor(es) e não refletem necessariamente a opinião das Partes da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT/OMS), das Partes do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco ou do Secretariado da CQCT/OMS.